14 de agosto de 2020

o avô de lênin



☆ AGRADAVA-ME MUITO a ideia de colocar o avô de Lênin em um título, para renunciar à interrupção arbitrária. ☆ A casa de campo do avô de Lênin surge perto de Kazan — capital da república autônoma dos tártaros —, sobre uma pequena colina aos pés da qual, trazendo a passeio seus patos, corre um riachinho caucasiano. Um belo lugar [...] Uma das paredes da casa, com três grandes janelas, dá para o jardim. Os rapazes, entre os quais Volodja Uljanov, o futuro Lênin, entravam e saíam de casa muito mais pela janela que pela porta. O sábio doutor Blank (pai da mãe de Lênin), em vez de se aborrecer e proibir aquele inocente divertimento, colocou robustos bancos sob as janelas, para que os rapazes, no seu vaivém, pudessem servir-se deles sem correr o risco de quebrar o pescoço. Parece-me um modo exemplar de se colocar a serviço da imaginação infantil.

☆ Com as estórias e os procedimentos fantásticos para produzi-las, estamos ajudando as crianças a entrar na realidade muito mais pela janela que pela porta. É mais divertido, e portanto mais útil. ☆ Nada impede, de resto, de contrariar a realidade por meio de hipóteses mais arriscadas. Exemplo: O que aconteceria se em todo o mundo, de um pólo ao outro, de um momento para o outro, desaparecesse o dinheiro? ☆ Este não é apenas um tema para a imaginação infantil: por isso mesmo acredito que seja um tema particularmente adaptado para as crianças, às quais agrada muito misturar-se com problemas maiores do que elas. É o único modo de que dispõem para crescer. E não resta dúvida que elas querem, antes de tudo e sobretudo, crescer. ☆☆


Um passeio por um trecho do livro GRAMÁTICA DA FANTASIA, de Gianni Rodari (1973), publicado pela Summus Editorial, com tradução de Antonio Negrini e capa de Edith Derkyk (1982) p. 30 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

livros infantis antigos e esquecidos

☆ POR QUE VOCÊ coleciona livros? — alguém já fez essa pergunta a um bibliófilo, para induzi-lo à autorreflexão? Como seriam interessantes as respostas, pelo menos as sinceras! Pois apenas os não-iniciados poderiam crer que não existe aqui o que esconder ou racionalizar. Arrogância, solidão, amargura — muitas vezes esse é o lado noturno de muitos colecionadores cultos e bem-sucedidos. Toda paixão revela de vez em quando os seus traços demoníacos, e nada confirma tão cabalmente essa verdade como a história da bibliofilia. Não existe nada disso no credo de colecionador de Karl Hobrecker, cuja grande coleção de livros infantis é agora divulgada ao público, através de sua obra. Para quem não se deixasse sensibilizar pela personalidade cordial e refinada do autor, nem pelo próprio livro, em cada uma das suas páginas, só poderíamos dizer o seguinte: esse tipo de coleção — o de livros infantis — só pode ser apreciado por quem se manteve fiel à alegria que experimentou quando criança, ao ler esses livros. Essa fidelidade está na origem de sua biblioteca, e toda coleção, para prosperar, precisará de algo semelhante. Um livro, ou mesmo uma página, e até uma simples imagem num exemplar antiquado, talvez herdado da mãe ou da avó, podem ser o solo no qual esse impulso lançará suas primeiras e delicadas raízes. Pouco importa se a capa está solta, se faltam páginas ou se aqui e ali mãos inábeis amarrotaram as gravuras. A procura de belos exemplares também é legítima nesse tipo de coleção, mas justamente aqui o pedante ficará perplexo. É um boa coisa boa que a pátina depositada nas folhas por mãos infantis pouco asseadas mantenham à distância o bibliófilo esnobe. ☆ 

Parágrafo inicial do artigo “Livros infantis antigos e esquecidos”, de Walter Benjamin (1924) que constam do primeiro volume das OBRAS ESCOLHIDAS: magia e técnica, arte e política, trad. Sergio Paulo Rouanet para a editora Brasiliense (1985) pp. 235-6 que nos lembrará também o quanto é polêmico o confronto com o passado, em toda e qualquer historiografia, mesmo a respeito de literatura infantil. É preciso reconhecer o perigo e o prazer de brincar entre os galhos de uma árvore em busca dos melhores ou mais inusitados sabores, contra os estereótipos da imprensa e da moda predominante, predatória #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

homo ludens

 

☆ Reina dentro do domínio do jogo uma ordem específica e absoluta. E aqui chegamos a sua outra característica, mais positiva ainda: ele cria ordem e é ordem. Introduz na confusão da vida e na imperfeição do mundo uma perfeição temporária e limitada, exige uma ordem suprema e absoluta: a menor desobediência a esta “estraga o jogo”, privando-o de seu caráter próprio e de todo e qualquer valor. É talvez devido a esta afinidade profunda entre a ordem e o jogo que este, como assinalamos de passagem, parece estar em tão larga medida ligado ao domínio da estética. Há nele uma tendência para ser belo. Talvez este fator estético seja idêntico àquele impulso de criar formas ordenadas que penetra o jogo em todos os seus aspectos. As palavras que empregamos para designar seus elementos pertencem quase todas à estética. São as mesmas palavras com as quais procuramos descrever os efeitos da beleza: tensão, equilíbrio, compensação, contraste, variação, solução, união e desunião. O jogo lança sobre nós um feitiço: é “fascinante”, “cativante”. Está cheio de duas qualidades mais nobres que somos capazes de ver nas coisas: o ritmo e a harmonia. ☆ 

Um parágrafo inteiro com Johan Huizinga, no livro HOMO LUDENS (1938), trad. João Paulo Monteiro, pela editora Perspectiva (1971) p. 13 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

29 de julho de 2020

a ema e outras cabeças de pássaros

Há duas semanas uma ave marrom-acinzentada, a ema – também chamada nandu ou xuri – tornou-se o símbolo de nossa brasilidade reprimida. Foi na tarde de 13 de julho: rejeitando agrados, a Rhea americana bicou o homem que ninguém (com um mínimo de discernimento) já não engole mais. Bicou, bicou bonito.

De outro lado, quarentenava comigo outra linha de pensamento a respeito dos gêneros narrativos mais apropriados para o ambiente emocional em que vivemos – uma reflexão incerta que nasceu após tomar parte do júri de um concurso literário. Que histórias desejamos retirar do passado, quais outras propor no presente e, afinal, o que esperamos lembrar no futuro? Temos agora necessidade de realismo ou visões românticas, contos curtos ou novelas que nos enredem, anedotas ou ditirambos? Ainda que não seja minha intenção compartilhar as breves escolhas a que cheguei intimamente, digo que a fábula aparenta ser um dos gêneros mais fortalecidos e favoráveis para o momento.


Arrisco-me a pensar como a fábula foi um gênero que nasceu letrado e fortuitamente imiscuiu-se às tradições orais e anônimas, talvez porque simplesmente um ouvido e outro mais capturaram a breve forma de narração e sem dificuldades a transmitiram de viva voz e orelhadas a outrem... Gênero narrativo em que a linguagem se dobra sobre si mesma, articulando divertimento e uso prático, elementos da ficção e a autenticação de conselhos sobre a experiência e o previsível, a fábula exige, graças às vozes de animais em seu discurso, ler a aparência e a essência, o dito e o não-dito, a intenção e o que denominamos acaso, a perda e o ganho. É tanto um gênero verbal quanto visual que administra a fala e o gesto; a autoridade de uma fábula se dilui em fabliaux, uma forma da poesia narrativa francesa medieval que escapa ao didático-moralizante, mas jamais menos moral ou instrutivo! Mas a fábula também é tableau, uma alegoria, uma imagem do pensamento. O espírito da coisa, eu dizia nas aulas, é mesclar em seu genes o que é da crônica e da fotografia como nós conhecemos talvez com maior proximidade.


Podemos sempre discutir o que é a verdade ao longo da história da evolução humana, desde a mais alta antiguidade, presos que estamos nas múltiplas malhas de fazer corresponder os fatos e o discurso sobre os fatos. Este é o problema comum a muitas tradições filosóficas que fizeram uso do conceito travestido em imagem. Veja só, mesmo a identidade de um dos mais importantes sábios e sacerdotes no Egito, tal era Thoth, vivendo por volta de 2,500 a.C. não escaparia, após a morte, à confabulação de seu legado em uma divina imagem animal.

Eterno escriba dos deuses, portador da verdade, Thoth mostra-se com cabeça de íbis no panteão do tempo dos faraós. A ele eram atribuídas as invenções da geometria e da astronomia, e particularmente o poder de cura. Às ciências abstratas e às ciências da observação, entre os filósofos do passado, ligava-se o domínio da medicina. Todas essas matérias pertenciam a Thoth e ele teria afirmado: “O homem nada sabe, mas é chamado a tudo conhecer.”

Da cabeça de Thoth, nossa memória pode carregar séculos e repensar se um signo religioso ou filosófico pode ou não estar na remota raiz das fábulas, convertendo-se em usos novos, signo político, signo estético e finalmente signo utilitário em diferentes épocas.

Vejamos isto: as colagens de Max Ernst.


A vida de um artista equivale à sua obra, como um recorte de seu sistema de pensamento, uma dobra de fala e imagens na ilusão de que podemos “abocanhar” o todo por uma parte? Ora, ora, se abrirmos a Wikipédia, nos deparamos com dados biográficos do autor de UNE SEMAINE DE BONTÉ (1934).

Max Ernst, aos 25 anos, fora convocado para lutar na Primeira Guerra Mundial pelo serviço militar alemão. O horror à guerra faria o artista escrever: “Max Ernst morreu em 1º de agosto de 1914. Ressuscitou em 11 de novembro de 1918, na forma de um rapaz que queria ser mágico e pretendia descobrir os mitos de seu tempo”. Torna-se assim curioso seu processo de despersonalização através do discurso, colocando-se na terceira pessoa, deslocando a si mesmo para o campo das coisas-que-se-vê: é impossível ao homem reconhecer-se como sujeito em uma realidade caótica. Esta é sua crítica.

Também através da arte, Ernst tornou intenso o seu fascínio por pássaros. Em algumas pinturas, ele apresenta um alter ego sob o nome LopLop e chegou mesmo a sugerir que este personagem pictográfico era uma extensão de si mesmo, a partir de uma confusão entre aves e humanos em sua infância: Max Ernst conta que, numa noite, acordou e descobriu que seu querido pássaro havia morrido; alguns minutos depois, seu pai anunciava que sua irmã havia nascido! Afinal, onde nos encontramos e encontramos nossos rostos?


Voei livremente dos livros para crianças para o surrealismo prenhe de dadá e ao passado que invento para as fábulas como fórmulas mágicas de cura. E tenho em mãos um poema de Maria Elena Walsh (1964), com boa tradução de Gláucia de Souza e as iluminações de Angela Lago, em ZOO LOUCO (Projeto, 2011)
Caso as Cobras fossem tão gabolas,
se usassem calças, luvas, cartolas
e lenços de seda feitos
não haveria jeito:
ficariam tão feias como outrora.

A redução da fábula à forma do limerique não diminui o desnudamento do homem sob a máscara animal. Ao virar a página, encontro um comentário visual sobre nossos hábitos que extrapola em alguns decibéis a escuta do poema. A narrativa é clara; a crítica necessária é nutritiva de leituras como a gema de um ovo, uma novidade renovada.


Em outro livro, as contradições humanas são evitadas desde o ninho. Com o texto verbal de Ana Rosa Costa e as ilustrações de Odilon Moraes, CASA DE PASSARINHO (Positivo, 2018) promove um reforço à vida organizada e amena, por todos os cômodos da imaginação.



Da provocação da arte ao signo utilitário da literatura em prosa e imagens, a realidade da fábula permite pequenos reflexos, grandes reflexões. E o acaso-sem-esforço me traz um parágrafo do manifesto dadá 1918
*** Toda obra de pintura ou plástica é inútil; que ela seja um monstro que faça medo aos espíritos servis, e não adocicada para adornar os refeitórios dos animais com roupas humanas, ilustrações desta triste fábula da humanidade.
Fragmento extraído do livro organizado por Gilberto Mendonça Teles: VANGUARDA EUROPEIA E MODERNISMO BRASILEIRO (1975, 17.ed. Vozes, 2002) p. 140 e destas e outras cabeças de aves e pássaros, eu volto a ema e a memefacção da fábula.



21 de julho de 2020

para espreitarmos o mundo


PALAVRAS E IMAGENS 
PARA ESPREITARMOS O MUNDO: 
25 autores ibero-americanos de livros ilustrados

download gratuito (em espanhol)
www.cuatrogatos.org/docs/brochures/publications_1305es.pdf

Logo de saída, na apresentação desta publicação, temos que o livro ilustrado (chamado “livro álbum”, nos demais países de expressão românica ou línguas neolatinas) não se destina exclusivamente a crianças pequenas. Nas criações mais provocativas, diversas vezes, abandona-se o mero uso da imagem como apoio para a leitura literária, admitindo-se, então que o significado surja de uma interação multimodal através de inter-relações do suporte, o código verbal, as ilustrações e outros elementos gráficos, materiais e rítmicos. Mas, tudo isso levaria a compor um novo gênero literário?

18 de julho de 2020

coração de tinta



☆ JÁ HAVIA ALGUNS ANOS, ele confeccionara um pequeno baú para ela carregar os livros prediletos em todas as viagens, curtas e longas, para lugares distantes e não tão distantes. “É bom ter os próprios livros quando se está num lugar estranho”, Mo dizia. Ele mesmo sempre levava pelo menos uma dúzia.

☆ Mo pintara o baú de vermelho, vermelho como uma papoula, a flor preferida de Meggie, cujas pétalas eram ótimas para prensar entre as páginas de um livro e depois carimbar na pele uma estampa com a forma de uma estrela. Na tampa, Mo escrevera, com lindas letras ornamentais, Baú do tesouro de Meggie; dentro, o forro era de tafetá preto-brilhante. Desse tecido, porém, quase nada se via, pois Meggie possuía muitos livros prediletos. E, a cada nova viagem para um lugar diferente, um novo se juntava aos antigos. “Quando você leva um livro numa viagem”, dissera Mo quando ela pôs o primeiro no baú, “acontece uma coisa estranha: o livro começa a colecionar lembranças. Depois basta abri-lo, e você já está de novo no lugar onde o leu. Tudo volta, já nas primeiras palavras: as imagens, os cheiros, o sorvete que você tomou enquanto lia... Acredite, os livros são como papel pega-moscas. Não existe nada melhor para grudar lembranças do que páginas impressas.” ☆☆


 Do livro de Cornelia Funke, CORAÇÃO DE TINTA (2003) com tradução de Sonali Bertuol @companhiadasletras (2006) @editoraseguinteoficial p. 22 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

se um viajante numa noite de inverno



☆ ÍNDICE

Se um viajante numa noite de inverno,
Fora do povoado de Malbork,
Debruçando-se na borda da costa escarpada,
Sem temer o vento e a vertigem,
Olha para baixo onde a sombra se adensa,
Numa rede de linhas que se entrelaçam,
Numa rede de linhas que se entrecruzam,
No tapete de folhas iluminadas pela lua,
Ao redor de uma cova vazia,
Que história espera seu fim lá embaixo? ☆


10 títulos de capítulos intercalados aos capítulos numerados de um livro de Italo Calvino denunciam, através do índice, a manobra de uma história dentro da história, de um folhetim dentro do romance SE UM VIAJANTE NUMA NOITE DE INVERNO (1979); quase resumo, quase poema, sumário, metáfora ou adivinha que indaga aos leitores o caminho do Leitor no livro-tapete de folhas mal iluminadas #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

a hora da estrela



☆ A CULPA É MINHA
ou A HORA DA ESTRELA
ou ELA QUE SE ARRANJE
ou O DIREITO AO GRITO
ou QUANTO AO FUTURO
ou LAMENTO DE UM BLUE
ou ELA NÕ SABE GRITAR
ou UMA SENSAÇÃO DE PERDA
ou ASSOVIO NO VENTO ESCURO
ou EU NÃO POSSO FAZER NADA
ou REGISTRO DOS FATOS ANTECEDENTES
ou HISTÓRIA LACRIMOGÊNICA DE CORDEL
ou SAÍDA DISCRETA PELA PORTA DOS FUNDOS ☆


Os muitos títulos ou links para o não-romance de Clarice Lispector, após o Romantismo, após o Realismo, após todas as escolas e teorias, o que apenas restou à literatura brasileira é a rarefação da narrativa, em A HORA DA ESTRELA (1977) #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

13 de julho de 2020

um pé de vento



☆ UMA VOZ DISTANTE chama Íris e um adeus põe-se no olhar. É tempo de voltar. É tempo de ir para casa e enfrentar distâncias. A menina vai porque sabe que o sol sempre retorna e amanhã é tempo de novas descobertas. E o menino Cristalino? De onde ele veio? Para onde ele foi? Ninguém sabe. Talvez seja imaginação transparente e brilhante como cristal. A árvore diz que ele ficou grudado nos olhos da menina. Por falar nisso, que tal subir numa árvore, pintar as folhas, sentir o vento? Aproveite agora que o dia passa ligeiro e tempo de criança é mansinho, mansinho. ☆


Um fim de história que deseja não terminar com suas metáforas, empréstimos e metonímias — UM PÉ DE VENTO, fábula poética e ilustrações de André Neves @neves.ilustra @projetoeditora (2007) pp. 29-30 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020




Abaixo, uma resenha publicada no site
DOBRAS DA LEITURA, Ano VIII - N.º 51 - jan. 2008

O amor poderá ser vento ou invenção? E um cata-vento também cata coração de menina? De onde virá o nome de cristal e hinos que pregará o amor nos olhos da menina? Desde a primeira vez que a viu, Íris não mais se separou da árvore. Com ela passava o tempo sentindo passar o vento, tanta afinidade entre a menina e a árvore, cada uma com seu temperamento.

Surpresa mesmo aconteceu no dia que vem depois de outro dia e a leve Íris encontrou um menino dormindo no silêncio da sombra da árvore. E fez um tudo para não despertar o sono que embalava o menino e ficar ali apenas olhando... Mas quis o vento, ou a invenção do autor, rodar o cata-vento que ela trazia nas mãos!


André Neves confabula imagens e ritmos, tanto em sua prosa quanto em sua ilustração, fazendo com que a utopia dos cenários — com flores, caracóis de ventos e texturas tingidas em turquesa, coral, ambarino, magenta, esmeralda e outras cores, ao fundo, — reflua para o interior de um discurso verbal cuidadosamente enrodilhado com escolhas lexicais reiterativas, tramando efeitos sonoros repetitivos que giram e variam frase a frase. Sobre estes relevos de sons e significados, no redemoinho do próprio texto, como na página ilustrada, parece existir uma coreografia realizada por ambos os personagens como se vivendo um gesto contínuo: “O menino despertou assustado, olhando para baixo, enquanto a menina olhava para cima, vendo o menino acordado.” Tudo isso provoca embriaguez, especialmente aos ouvidos, fazendo com que certas sensações permaneçam como extensão visual ou duração de um estado poético.

Há um um rico conjunto de imagens no texto verbal, como numa cena em que a menina corre “ao redor da árvore para rodar o vento no cata-vento”, enquanto o menino, mesmo parado e encostado à árvore, gira (seus olhos, sua atenção, sua vida) “como girassol sentindo o sol que brilhava nos olhos da menina” e “seu coração já rodopiava tão forte quanto o cata-vento na mão da menina”. Num texto assim, com espelhos e danças especiais, qual mesmo o nome do amor pregado à menina dos olhos dos olhos da menina?

fabíola foi ao vento



☆ FABÍOLA DESCE O MORRO, todo dia, à mesma hora, com passinho de formiga, formiga de perna curta, perna curta e apressada, pois quem guia é o cachorro. Passo largo, vem Titã, cheirando o nada, procurando um não sei quê, talvez um osso, talvez um troço, talvez... Até o momento em que Titã dispara, arrastando a menina pelo vento. Ela segura firme na coleira e, com cara de muito faceira, diz: — Para, eu não aguento! Fabíola foi ao vento e perdeu o acento. E virou Fabiola, virou pipa que balança a rabiola quando sobe lá pro longe lá do céu. ☆


Um história pelo meio, de Ricardo Benevides — FABÍOLA FOI AO VENTO, com mudanças de acento, sons abertos e fechados, graves e agudos, com ilustrações de Loly & Bernardilla @editoraDCL (2010) pp. 10-14 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

ventania brava no domingão cinza



☆ Todo mundo diz que o mundo é redondo e colorido. Eu discordo. Às vezes não é. Às vezes ele é achatado. Muito, muito achatado. Achatado até demais. E o mundo achatado, você sabe, é muuuuuuiiito chato. E sem cor. Mas a culpa não é só do mundo. A culpa também é nossa, que deixamos tudo ficar chato, sem graça. De repente, a gente não tem vontade de fazer nada. Cadê a energia? A vida fica pesada, cansada. Ninguém quer mais trabalhar [...] Ontem eu estava assim, sem ânimo pra coisa alguma. Sem vontade de andar, sem vontade de conversar, sem vontade de dormir. Eu já não aguentava mais tanta chatice. Já não sabia direito se estava vivo ou morto. Então... ☆


Um início de história com cara de início de semana — VENTANIA BRABA NO DOMINGÃO CINZA, de Luiz Bras @paisagem.personas com ilustrações de David Alfonso @cepeeditora (2015) pp. 5-6 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

9 de julho de 2020

a maior presa de ming



☆ O HOMEM SEGUIU no encalço do gato. Sem refletir. Ming tornou a subir os poucos degraus que havia descido, mantendo-se perto da parede, escondido pela sombra. O homem não o tinha visto, ele sabia. Ming saltou sobre o parapeito do terraço, sentou-se e ficou lambendo uma pata, a fim de se recuperar do impacto e recobrar as forças. Seu coração batia ligeiro, como se estivesse no meio de um combate. E um ódio corria por suas veias. Um ódio que queimava os olhos enquanto, encolhido, ouvia os passos incertos do homem que naquele momento subia as escadas, logo abaixo dele. Teddie agora estava em seu campo de visão.

☆ Ming retesou-se preparando o pulo e então saltou... ☆☆


Um trecho "aleatório" do pequeno livro de Patricia Highsmith — OS GATOS: três histórias, três poemas, um ensaio e sete desenhos, publicado pela L&PM Pocket, com tradução de Petrucia Finkler (2011) p. 69 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020



P.S. O primeiro romance de Patricia Highsmith — STRANGERS ON A TRAIN — foi adaptado ao cinema por Alfred Hitchcock, em Pacto sinistro (1951); ela também é autora de O TALENTOSO SR. RIPLEY, duplamente interpretado nas telas, por Alain Delon, em O sol por testemunha (1960), e Matt Damon (2000).

dois gatos fazendo hora



☆ DEZ E SEIS

Um gato anda sumido.
Do outro eu nem sei. ☆

Uma abertura de páginas com os dísticos da parlenda de Guilherme Mansur e a ilustração de Sônia Magalhães, no livro DOIS GATOS FAZENDO HORA, publicado por SESI-SP editora (2013) pp. 20-21 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

Leia resenha >>
na hora que a gataria souber cantar... e contar

orações na arca



☆ ORAÇÃO DA GATA

Senhor,
sou eu a gata!
E não há exatamente nada
que eu queira pedir...
Não!
Nada peço a ninguém!
Mas se o Senhor tivesse, por acaso,
lá nos recônditos do céu
um rato branquinho
ou um pires de leite...
Sei de alguém que saberia saboreá-los.

A propósito,
num desses dias,
o Senhor não amaldiçoaria
todos os cães do mundo?
Porque aí, sim... eu diria
que assim seja! ☆

Um poema com a leve ironia de Carmen Bernos de Gasztold, religiosa francesa que lançou seu livro ORAÇÕES NA ARCA de um modo praticamente independente, em uma pequena tiragem, através do selo Éditions du Cloître (1955) que traduzi e retraduzi em diferentes momentos, para um programa de rádio, para compartilhar na Internet e finalmente para uma publicação impressa em papel, ilustrando com silhuetas #2noTelhado (2018) p. 22 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

Leia outros poemas de Orações na Arca,
com desenhos que fiz com pastel seco e oleoso.

8 de julho de 2020

um gato chamado gatinho



O GATO E A PULGA

A gente cata o Gatinho
mas pulga custa a acabar,
por isso de vez em quando
ele tem que se coçar.

Ele se coça e depois
— coisa que nunca se viu —
fica olhando para o chão
para ver se a pulga caiu.

Se a pulga caiu de fato
— ela nem conta até três —
dá um salto mortal no ar
e pula nele outra vez. ☆

Poema do livro UM GATO CHAMADO GATINHO, de Ferreira Gullar, com ilustrações de Angela Lago (2000) p. 33 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

o cata-vento e o ventilador



VENTO

O vento
venta
e inventa
mil maneiras de ventar:

venta fraco,
venta forte,
venta gostoso
feito um beijo antes de dormir.

Se enrola
feito um gato
(Ai, que sono!)

De repente,
acorda
e roda feito um rodamoinho. ☆

Poema e desenho de Luís Camargo, no livro O CATA-VENTO E O VENTILADOR - Prêmio Jabuti de Melhor Livro Ilustrado, publicado pela Editora FTD (1986) pp. 18-19; a obra ganhou uma nova edição em 2017, com ilustrações de Elisabeth Teixeira #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020


pacífico, o gato



☆ Eu tenho um gato, mas ele não é meu. Apareceu um dia no muro lá de casa, magro de dar dó. Veio não sei de onde, vai não sei para onde. Mamãe diz que é um gato vadio. Tipo frio. Qualquer dia ele some pra valer. Se for embora, não será por maldade. Pacífico gosta de rua. Gosta de aventura, sei lá. Vou sentir saudade. ☆

Palavras finais do livro PACÍFICO, O GATO, de Branca Maria de Paula com ilustrações assinadas por Aldemir Martins @paulinasbrasil (1999) pp. 26-31 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

7 de julho de 2020

história de uma gata



☆ ME ALIMENTARAM,
me acariciaram,
me aliciaram,
me acostumaram.

O meu mundo era o apartamento.
Detefon, almofada e trato,
todo dia filé mignon
ou mesmo um bom filé... de gato.
Me diziam, todo momento:
fique em casa, não tome vento.
Mas é duro ficar na sua
quando à luz da lua
tantos gatos pela rua
toda a noite vão cantando assim:

Nós, gatos, já nascemos pobres,
porém, já nascemos livres.
Senhor, senhora, senhorio,
felino, não reconhecerás.

De manhã eu voltei pra casa,
fui barrada na portaria,
sem filé e sem almofada,
por causa da cantoria.
Mas agora o meu dia-a-dia
é no meio da gataria
pela rua virando lata
eu sou mais eu, mais gata,
numa louca serenata,
que de noite sai cantando assim:

Nós, gatos, já nascemos pobres,
porém, já nascemos livres.
Senhor, senhora, senhorio,
felino, não reconhecerás. ☆

Parte do musical OS SALTIMBANCOS, de Sergio Bardotti e Luiz Enriquez, com tradução de Chico Buarque (1977), "A história de uma gata" é aqui ilustrada com a colagem em papel de S&onia Magalhães @globaleditora (1996) pp. 14-16 #FiqueFirme #AbreAspas

milhões de gatos



☆ NOSSA! — gritou alegremente o homem muito velho. — Agora eu posso escolher o gato mais belo e levá-lo para casa comigo! — Então ele escolheu um. Era branco.

☆ Quando o homem muito velho estava prestes a sair, ele viu outro gato. Era preto e branco e tão belo quanto o primeiro. Resolveu levá-lo também.

☆ Foi então que o homem muito velho viu outro gato. Era cinza e tão belo quanto o primeiro e o segundo. Ele o pegou também.

☆ Logo à frente, em um canto, ele viu outro gato. Era encantador. Decidiu levá-lo.

☆ Foi quando o homem muito velho encontrou um gato preto. Era muito bonito.
— Deixar esse aqui seria uma vergonha! — disse o homem muito velho. Então ele o pegou.

☆ Ainda ali perto, ele avistou um gato com listras marrons e amarelas. Parecia um tigre bebê.
— Eu preciso levar esse! — gritou o homem muito velho. E assim ele fez. ☆☆


Fragmento da animada e crítica narrativa MILHÕES DE GATOS, da escritora e ilustradora norte-americana Wanda Gág (1928). A edição brasileira conta com a tradução de Nathalia Matsumoto @nathmatsumoto e o projeto gráfico de Angela Mendes @edicoesbarbatana (2018) pp. 12-15 #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

os gatos



UM JERICÓ surge na trilha,
Logo vêm todos como um só:
A Gata-Lua como brilha —
Hoje que é o Baile Jericó.

☆ Os Jericós são preto-e-brancos,
Os Jericós não são dos maus;
Os Jericós são sempre francos
Que é um prazzer escutar-lhes os miaus.
Os Jericós são dessa raça
Que os olhos negros, vivos, têm;
Adoram dar o ar da graça
Enquanto a Lua Jericó não vem.

Os Jericós são gatos moles,
Os Jericós não são de briga;
Alguns são fofos como os rocamboles,
Outros sabem dançar gavota e jiga.
Enquanto a Lua não se espelha,
Cuidam dos mínimos senões;
Esfregam bem por trás da orelha,
Secam por dentro dos dedões. ☆

Uma trova popular e as estrofes iniciais da "Canção dos Jericós", de T. S. Eliot, poema publicado em 1939 no livro OS GATOS, ou OLD POSSUM'S BOOK OF PRACTICAL CATS, que teve Nicolas Bentley como primeiro ilustrador. Uma edição bilíngue, com tradução de Ivo Barroso, foi publicada pelo Editorial Nórdica (1991), p. 29 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

6 de julho de 2020

lendo haicais visuais


UMA LEITURA CRÍTICA, ANTES DA PUBLICAÇÃO
peter o sagae, em novembro de 2014

Descrição e gênero. O novo trabalho de Nelson Cruz opera curiosamente nos limites de três diferentes categorias textuais e das relações entre palavra e imagem. Temos, inicialmente, (a) um livro de imagem, mais especificamente um imagiário, oferecendo-nos (b) uma coletânea de micro narrativas que se resolvem na sucessão de três quadros, ao modo das tirinhas de jornal com os habituais traços de humor, crônica, crítica e os mais variados aspectos do mundo. No entanto, já o título da obra orienta a leitura rumo a uma proposição poética, ou seja, (c) uma articulação de imagens de forma análoga aos haicais.

A força do haicai não vem apenas de uma estrutura em três versos, mas principalmente de um intervalo intencional entre dois versos que podem, inicialmente, descrever uma imagem do cotidiano e a última parte do haicai que tradicionalmente transmite um conceito. No aspecto formal, nosso autor mineiro respeita este movimento de jogo ideogramático ou dialético, apresentando dois quadros de caráter descritivo, numa só abertura em página dupla e, com a virada da página, finaliza a sequência do novo haicai com um salto, uma quebra de expectativa, um disparate, uma surpresa, um elemento imprevisto. Verificamos assim a homologia estrutural, fazendo o haicai transitar da inscrição verbivocal-métrico ao puramente visual.

Títulos dos haicais. O olhar não adentra solitariamente cada pequeno e breve texto. Há sempre um título que dá conta de anunciar, denunciar a trama de intertextualidades para o leitor. Esta marca permite ampliar o campo da recepção.

Lendo “Magritte ao vento”, o título mobiliza um conhecimento prévio a respeito do pintor francês. Na visão dos dois primeiros quadros, um vento passa e leva embora o chapéu da cabeça de um homem e uma mulher. Onde estará o esperado clima de surrealismo? No terceiro quadro, onde vemos que o vento levou embora a cabeça de alguém. A mesma exigência parece vir da sequência que o autor denominou como “A hora da estrela”. Mas haverá um imperativo maior do que a lembrança da queda e a morte de uma personagem de Clarice Lispector. Em uma skyscape, ou silhueta de uma cidade recortada contra o céu noturno, uma estrela-cadente corre do alto abaixo – mas a surpresa vem com uma bateria ou buquê de fogos de artifício, colorindo o céu como flores de luz.

Ora, a leitura perfaz um caminho entre idas e vindas, voltas, leituras em retrospecto... Do haicai visual ao conhecimento literário e cultural: o que é a hora da estrela? quem foi Magritte?


Já na sequência de “Mensagem para mim”, com o recurso da metonímia, vemos uma mão e imaginamos uma criatura de pele negro-azulada que encontra uma mensagem dentro de uma garrafa na beira da praia. A imagem relaciona-se livremente com a figura de muitos náufragos e à ideia de ‘message in a bottle’. Trata-se do alter-ego do autor? A mim, o título me levou à figura de Caliban, à peça O Livro de Próspero (A tempestade). Enquanto não encontro motivo para essa associação, vemos o duplo de Nelson Cruz, com unhas pontuadas, fazer um aviãozinho de papel e arremessar a mensagem adiante...

Em especial, o haicai visual “Três gatos” fica-nos como o ponto alto do livro, sem amarras verbais ou literárias explícitas, implícitas. A imagem mostra-se e se diz, silenciosamente. O título que nada entrega de especial, além da mera informação: três gatos, em três quadros, e isto já permite aos leitores escolher entre três diferentes gatos ou três aparências de um gato só... Ah, sim, as relações permanecem em aberto, a continuidade na passagem do tempo vs. a contiguidade da vizinhança espacial dos telhados, a reverberação das sombras que se projetam sempre à esquerda... No segundo quadro, a cor arbitrária de um gato verde prussiano, como o céu, em um clima fauvista.


Força e ordem dos haicais. Se acreditarmos que a leitura é uma descoberta individual e, em certas medida requer a razão aventureira do leitor; que as camadas intertextuais necessariamente não precisam ser lidas por todos; que as diferentes idades do leitor garantem a riqueza dos níveis de leitura, podemos pensar que os títulos dos poemas tornam-se às vezes dispensáveis. É preciso também ver e assumir que o título desta coletânea é HAICAIS VISUAIS, o que reclama independências do código verbal, com sua pressão simbólica, estabilizadora dos significados, determinante.

A linguagem da imagem é dada a operar no nível da indexicalidade, como pistas de uma construção, bem como o haicai tradicional se faz através de um confronto dialético – ou seja: a síntese, a leitura, a palavra deverá pertencer ao leitor... Se todo haicai é um jogo diagramático, o diagrama é uma ponte entre a imagem e a metáfora, no rol dos hipoícones poéticos. Ora, para uma criança não importam as questões semióticas, nem os diferentes gêneros textuais intencionalmente mesclados; no entanto, inscrever-se e ler à sua maneira a estrutura do pensamento lúdico e filosófico do haicai.

haicais visuais



☆ FOI UMA SURPRESA para mim, nos anos 1970, a descoberta dos cartuns e das charges sem texto. Passei a admirar profundamente a capacidade que os artistas tinham de expor suas ideias por meio de imagens desenhadas a nanquim e sem palavras. Chamavam a minha atenção, particularmente, as tirinhas de humor, com suas sequências de três a quatro quadros. Nesse curto espaço, seus autores desenvolviam histórias. Edgar Vasques com sua revista Rango, Luis Fernando Veríssimo com As Cobras, Henfil com o Fradim e algumas publicações alternativas, como o jornal Movimento e o Pasquim, que também tinham no desenho de humor uma forma de resistência política. Cartunistas, chargistas e caricaturistas formavam um grupo atuante que aliviava com humor crítico a dura realidade política e social do país, o momento difícil que o governo militar impunha aos brasileiros.

☆ Nessa época, influenciado por alguns amigos, produzi uns acanhados cartuns, que felizmente não vieram a público. Mas o desenho de humor me levou ao traço da caricatura e, mais adiante, à ilustração. ☆☆

 Parágrafos iniciais do posfácio para o livro HAICAIS VISUAIS, de Nelson Cruz @nelsoncruz @editora_positivo (2015) p. 52 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020

seu vento soprador de histórias



☆ COM A FORÇA do vento
e a falta de tempo,
a tartaruga corre
e a lebre voa
nas voltas do vento à-toa...

É o tempo de pernas pro ar
na roda-viva a girar...

Roda a veloz cidade, roda a feroz cidade.
Roda o talento, roda o invento.
Roda a fortuna, roda a infortuna.
Roda a abundância, roda a intolerância.
Roda o adulto, roda a criança.
Roda a velhice no remate da dança,
da ciranda do tempo e do vento
ora bravo, nos braços do Tornado,
ora lento, no remanso do tempo... ☆

Versos livres de Fátima Miguez, no livro SEU VENTO SOPRADOR DE HISTÓRIAS, ilustrado por Graça Lima @gramulima lancado pela Manati (2001) p.20 #FiqueBem #FiqueFirme #FiqueEmCasa #AbreAspas2020